Foi-se o tempo em que a história se pretendia objetiva. Foi-se o tempo em que se imaginava que dominar a história era saber de-cór todos os acontecimentos do passado e cravar afirmações precisas sobre todo e qualquer acontecimento pretérito. A história, sabe-se hoje, é imprecisa. Relatos quanto ao passado, mesmo quando minuciosos, são ambíguos e, não raro, conduzem a interpretações absolutamente destoantes entre si.
O historiador, quando relata a história, escolhe arbitrariamente os detalhes que julga relevantes. O ouvinte, por sua vez, apreende prioritariamente aqueles detalhes que entende importantes. Ambos fazem isso de acordo com suas próprias cargas intelectuais e ideológicas.
Justamente por isso, uma única história pode ser contada de maneira distinta por pessoas com perfis diversos. Um padre, um militar, um estudante ou um operário podem contar de jeito diferente uma mesma história sem que nenhum deles esteja faltando com a verdade. De mesma forma, diferentes pessoas podem interpretar de maneira diversa uma mesma história contada por uma única pessoa.
Talvez por isso Nietzsche tenha dito que a história não pode ser encarada como ciência fria. Não é uma busca por uma verdade universal. Nela existem subjetividades que são inerentes ao ser humano. Não é, portanto, a história antagônica à ficção, eis que estaria mais próxima da arte do que da própria ciência.
Mas isso não faz da história uma terra de ninguém. A ninguém é dado inventar, manipular, ou desconsiderar fatos. Marielle Franco nunca foi casada com um traficante nem tinha ligações sabidas com o tráfico. A deputada Maria do Rosário nunca recebeu efusiva e alegremente Suzane Rischtoffen na saída da prisão, e Pablo Vittar nunca recebeu R$ 5 milhões da Lei Rouanet.
Quem quer que insista em afirmações do tipo é, senão canalha, pelo menos idiota ou preguiçoso, por se deixar levar por versões mirabolantes sem exigir sequer um indício mínimo de sua veracidade. Aliás, pessoas mal intencionadas, idiotas ou preguiçosas são um terreno fértil para as "fake news", notícias falsas plantadas ardilosamente para induzir o inconsciente popular a uma afirmação mentirosa. Possivelmente, o maior risco para a nossa democracia atual.
Não posso pedir que alguém deixe de ser idiota ou canalha. Eles não costumam se reconhecer como tal e não deixariam de sê-lo por um pedido meu. Aliás, provavelmente estão irritados com este meu texto. Mas posso, sim, recomendar menos preguiça aos meramente preguiçosos. Posso exortá-los a serem mais atentos quanto a qualquer notícia impactante que venham a receber. Que questionem sua origem. Que perguntem sobre seus fundamentos e que reflitam a respeito de seu conteúdo antes de repassá-lo a terceiros.
Minha exortação se resume aos preguiçosos. Canalhas e idiotas que se julgam no direito de assim permanecer, permaneçam como são. Não há nada que eu possa fazer por vocês. Infelizmente.